Controle de jornada na relação de emprego doméstica: uma obrigação do empregador
Em 2016, o Brasil tinha 6 (seis) milhões de empregados domésticos, dos quais 92% eram mulheres. O número é expressivo e representa uma classe bastante marginalizada pela legislação durante muitos anos, até que sobreveio a PEC das Domésticas, cujas alterações constaram da Lei Complementar 150/2015. A principal vitória da classe, sob nosso ponto de vista, foi a obrigação de recolhimento do FGTS na cifra de 8% do salário pelo empregador, e duração de trabalho definida, de até 44 horas semanais. Sob esse espeque, iremos tratar de um ponto bastante polêmico: o controle da jornada de trabalho. Antes porém, vale ressaltar que o trabalho doméstico envolve duas figuras: empregador e empregado. Empregador doméstico é quem emprega, mediante registro em carteira profissional, pessoa que irá trabalhar no âmbito residencial, como motoristas, copeiros, governantas, jardineiros, cozinheiros, faxineiras, cuidadores de idosos, babás, caseiros. A pessoa que utiliza dos serviços de diaristas, em até duas vezes na semana, para a mesma família, e procede ao pagamento sob a forma de diárias, não é considerado empregador. Quanto ao tema in casu, sobre o empregador manter registro de ponto de empregada doméstica, a questão é mais do que importante: é obrigatória. Essa situação aparece com freqüência na Justiça do Trabalho sob a forma de cobranças de horas extras. Os principais artigos atinentes ao tema seguem abaixo: Art. 12. É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. Art. 13. É obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação pelo período de, no mínimo, 1 (uma) hora e, no máximo, 2 (duas) horas, admitindo-se, mediante prévio acordo escrito entre empregador e empregado, sua redução a 30 (trinta) minutos. § 1o Caso o empregado resida no local de trabalho, o período de intervalo poderá ser desmembrado em 2 (dois) períodos, desde que cada um deles tenha, no mínimo, 1 (uma) hora, até o limite de 4 (quatro) horas ao dia. § 2o Em caso de modificação do intervalo, na forma do § 1o, é obrigatória a sua anotação no registro diário de horário, vedada sua prenotação. Como sabemos, é muito comum a jornada de mais de doze horas de trabalho, que comumente acompanha todas as refeições da família, na maioria das vezes sem o devido intervalo, inclusive podendo adentrar a madrugada em ocasiões de festas e eventos na residência onde o serviço é prestado. A rotina da família, os hábitos dos integrantes da casa, e a possibilidade de ter alguém à disposição para as tarefas do lar tornam o trabalho doméstico repleto de peculiaridades. O controle da jornada no início pode parecer complexo, mas é bem simples, e somente irá exigir comprometimento de todos os envolvidos até que se acostumem com a nova forma de trabalho. Mas vale a pena. Ainda, o contratante tem a obrigação de manter o controle de ponto do empregado doméstico, ainda que só haja um funcionário. Para ilustrar a situação, citamos uma ação trabalhista que discutia horas extras, na qual o desembargador Relator José Luciano Alexo da Silva “explicou que a condenação decorreu da própria conduta do reclamado {empregador}, que não fez o registro de frequência. “[…] não se vê dificuldade para que o empregador doméstico cumpra com a determinação legal de adotar controle de ponto, objetivando até mesmo estabelecer transparência quanto aos fatos ocorridos ao longo do liame”- 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE) e disponível no site http://coad.com.br/home/noticias-detalhe/97884/obrigatorio-manter-controle-de-frequencia-de-empregado-domestico-ressalta-turma-do-trt6-em-acordao, o número do processo não foi disponibilizado pela notícia. É chegada a hora de profissionalizar a relação de trabalho do empregado doméstico. A legislação e o aperfeiçoamento do sistema de controle do governo, o E-social, não permitirão flexibilidades que antes eram muito comuns, como por exemplo, conceder férias antes de completo um período aquisitivo. Vale lembrar também que é muito fácil cair na armadilha do argumento que a relação do emprego doméstico não é igual a relação de emprego numa empresa, por exemplo, e não se poderiam cobrar as mesmas responsabilidades. Com razão. A relação é mais próxima, e a pessoa muitas vezes fica envolvida como se fosse membro da família. No entanto, justamente por este motivo que o contrato e a relação precisam ser profissionais. Pois, dessa forma, o empregador poderá pagar com acuidade o número de horas extras prestadas no mês, por exemplo, enquanto o empregado poderá conferir se o número de horas foi acertado corretamente. A relação fica mais cristalina e ambas as partes saem ganhando mais. Por mais que seu empregado doméstico seja “de confiança”, a obrigação de controle de jornada persiste. O papel do advogado neste ponto é orientar e sugerir uma conduta. Isso porque, no caso de eventual reclamação trabalhista, a pessoa que era “de confiança” não irá litigar em favor do ex-empregador. E essa premissa é uma verdade amarga, principalmente para quem baseia o relacionamento com os empregados domésticos somente na confiança e deixa de cumprir obrigações que lhe são inerentes. Ademais, se há o hábito de elastecer a jornada de trabalho do empregado, a responsabilidade em fazer o controle de jornada deverá ser ainda mais rígida. Isso porque a responsabilidade pelo pagamento dessas horas, e também a responsabilidade com a saúde do trabalhador são de quem emprega. Então, como implementar o controle de ponto? Basta providenciar um livro de ponto, um caderno, ou até mesmo folhas soltas, preencher o dia, o nome do empregado e fazê-lo preencher de próprio punho o horário de entrada, intervalo e horário de saída. Ao final de cada mês, o caderno é coletado para cômputo das horas devidas e demais informações relevantes. O documento deve ser guardado pelo empregador até o período de dois anos após o término da relação de empregado, que é o prazo que o empregado tem para reclamar dos direitos da relação travada entre as partes. Por fim, elaboramos uma tabela prática para fins de auxílio para controle do horário de intervalo:
Esperamos que o artigo tenha sido esclarecedor e permanecemos à disposição para atendê-los nas necessidades e questões específicas do trabalho doméstico que porventura venham a surgir. |
Informações adicionais:
Dados coletados do site da OIT em 24/04/2020 (https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang–pt/index.htm).
Fatos e números no mundo
- Existem 67 milhões de trabalhadoras(es) domésticas(os) adultas(os) no mundo, segundo estimativas da OIT para 2013.
- Deste número, 80% ou 55 milhões são mulheres.
- A América Latina e o Caribe conta com 18 milhões de trabalhadoras(es) domésticas(os), dos quais 88% são mulheres.
- O trabalho doméstico representa 27% da ocupação feminina na região.
- O trabalho doméstico é uma das ocupações com níveis de remuneração mais baixos no mundo, com médias de salário abaixo da metade do salário médio no mercado de trabalho.
- Cerca de 90% das(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) não têm acesso à seguridade social.
Fatos e números no Brasil (Fonte: PNAD Contínua Trimestral do IBGE)
- Em 2016, o Brasil tinha 6,158 milhões de trabalhadoras(es) domésticas(os), dos quais 92% eram mulheres.
- Apenas 42% destas(es) trabalhadoras(es) contribuem para a previdência social e só 32% possuem carteira de trabalho assinada.
- A grande maioria das(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) são mensalistas. As diaristas, por sua vez, enfrentam a possibilidade de situações de trabalho mais precárias e tem sua própria responsabilidade de contribuir para a previdência social.
- Apenas 4% da categoria de trabalhadoras domésticas e trabalhadores domésticos é sindicalizada.
- O número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil doméstico no Brasil teve uma diminuição de 61,6% entre 2004 e 2015, passando de 406 mil para 156 mil.
- Em 2015, 88,7% das(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) entre 10 e 17 anos no Brasil eram meninas e 71% eram negras(os).
Julia Barbosa
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